Wednesday, January 6, 2010

'A várzea pertence ao rio' e a necessidade urgente de mudança de paradigmas

Aqui eu posto algumas observações inspiradas pela leitura da entrevista que a geógrafa Odette Seabra deu sobre as várzeas da cidade de São Paulo - e que eu postei aqui no post anterior.

- - -
Antes de mais nada:

A tese de doutorado da professora ("Os Meandros dos Rios nos Meandros do Poder: O Processo de Valorização dos Rios e das Várzeas do Tietê e do Pinheiros") é uma pesquisa muito valiosa para quem tem interesse em entender a lógica da ocupação do território da cidade de São Paulo e o processo de transformação dos rios e das várzeas do Rio Tietê e do Rio Pinheiros. Embora ainda não tenha sido publicada em livro (talvez algum dia ainda publiquem! Eu seria a primeira a comprar o livro!), e não seja fácil encontrá-la na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP) pelo fato da tese estar sempre retirada e ainda não ter sido digitalizada para acesso fácil pela internet, só posso recomendar a sua leitura! O trabalho desvenda de forma clara e corajosa uma lógica perversa de ocupação territorial que existe até hoje na cidade de São Paulo - e que normalmente fica velada, pois não é interessante para as elites que ela seja desvendada.

- - -

Trecho da entrevista em que a professora responde se se surpreendeu com a grande enchente do dia 8 de dezembro de 2009 na cidade de São Paulo:
"Fiquei, como todo o mundo, constrangida e indignada. É insuportável saber que somos obrigados a viver essas tragédias ano após ano. Mas não posso dizer que as imagens me surpreenderam. As medidas que vêm sendo tomadas desde 1999 são corretas. Mas ocorre que a capacidade do Tietê está no limite."

As medidas para mitigar as enchentes em São Paulo que vêm sendo tomadas nas últimas décadas infelizmente seguem um modelo absolutamente ultrapassado. Talvez elas sejam até corretas do ponto de vista da lógica daquele modelo, mas aqui não tem como eufemizar ou fazer concessões: se o modelo está equivocado, então as medidas também estão.

Não é apenas a capacidade do rio que está no limite, todo o modelo de drenagem é um erro.

Comentário da professora sobre a dificuldade de achar "culpados" pela sofrível situação:
"Se a gente tem noção da história, fica ingênuo discutir se quem fez as marginais também foi responsável por esses equívocos. Mas, com o partido rodoviário sendo adotado como modalidade de transporte nacional, a sequência só poderia ter sido essa. No caso da Light, é preciso levar em conta também que éramos uma República nova, sem conhecimento de estruturas jurídicas, com uma sociedade pouco aparelhada para negociar com o trust. Não que, por princípio, as pessoas fossem boas ou más. É um processo."

Interessante. Essa colocação bate com a do Prof. Paulo Pellegrino (FAU-USP) numa entrevista concedida ao Portal Terra no período de graves inundações em dezembro do ano passado: "Identificar um único culpado é muito difícil porque na verdade nós estamos numa realidade urbana muito complexa, que foi montada através dos anos por uma série de opções e decisões tomadas durante todo o último século de urbanização de São Paulo. Não dá para identificar um culpado. O que nós podemos apenas é ver porque nós continuamos a insistir em modelos já ultrapassados."

Na entrevista o Prof. Paulo explica tim tim por tim tim porque o modelo é um equívoco - e fala sobre alternativas. Aqui alguns trechos da entrevista: "A visão da drenagem urbana como eliminação da água da paisagem foi durante um bom tempo, e continua sendo, o mote de todo o tratamento que se tem da água urbana da cidade. Todos os córregos, todos os rios, todos as áreas construídas, todas trabalharam e trabalham com o intuito de se livrar da água da forma mais rápida possível. (...) E esse é o ponto de vista que não deu certo. (...) Ao invés de nós querermos nos livrar das águas, nós poderíamos aprender a conviver com elas. São Paulo é uma cidade das águas. Uma cidade que tem no seu nome o Rio Piratininga que na sua origem significa "terra dos peixes".(...) Para reter e retardar o escoamento das águas urbanas é preciso trabalhar com a "pele" da cidade, a cidade deve ser vista como uma grande esponja. (...) Enquanto a cidade for vista como uma superfície impermeável, dura, sem nenhum tipo de permeabilidade e voltada para a retificação dos cursos d'água, da eliminação das águas, você sempre estará criando um problema. (...) Você teria que começar a trabalhar com os pontos em que a cidade ainda permite ser reorganizados, reprojetados, para que ao invés de eles expulsarem as águas, eles retenham, e nesse conjunto de processos evitem que as águas se acumulem nos pontos mais baixos."

Quanto à ampliação das novas marginais em São Paulo, o tema também merece uma avaliação mais ampla. Nesse ponto, assim como em relação ao fato do modelo de drenagem da cidade de São Paulo estar ultrapassado, há a necessidade urgente de mudança de paradigma.

Em resposta aos comentários do governador sobre o debate da Nova Marginal ("Qual é a proposta deles? Destruir as marginais? E o pessoal vai andar de burrinho para ir até Guarulhos?"), o arquiteto Fernando de Mello Franco no texto "É preciso saber avançar na construção da urbanidade em São Paulo" responde e vai direto ao ponto:

"Não há dúvida de que as tropas de mulas foram fundamentais para nossa história. Ampararam as incursões coloniais que desbravaram nossa hinterlândia. Permitiram transgredir o Tratado de Tordesilhas, o que resultou na formalização do território nacional em sua dimensão continental. Mas trata-se de uma alternativa anacrônica, assim como a promoção do sistema de transporte individual, baseado em energias poluentes, também o é. (...) Todos sabemos o quão nocivas são as rodovias, quando implantadas no interior do tecido da cidade. E esta parece ser parte da questão: pensar as marginais como sistema rodoviário, sem olhar para o fenômeno metropolitano como um todo. (...) É preciso saber avançar no enfrentamento das questões trazidas pela contemporaneidade, ao invés de permanecermos no erro histórico do modelo de avenidas de fundo de vale. Vivemos um momento especial na história das cidades. A “cidade moderna” cede espaço para a “cidade contemporânea”, permitindo-nos pensar a mudança. No caso de São Paulo ela pode ser feita, estrategicamente, sobre a atualização das formas de uso da estrutura complexa das suas várzeas. (...) Há um acervo valiosíssimo de reflexões acadêmicas produzido pela USP, entre outras universidades. Esse acervo é enriquecido pelas pesquisas financiadas pelos órgãos de fomento, como a Fapesp. Há ainda os registros do “Urban Age”, evento que contou com o apoio oficial do Estado. O resultado foi a publicação, pela Imprensa Oficial, da pesquisa que a London School of Economics vem realizando sobre nosso futuro urbano. Nesses textos, o debate se afasta da manutenção do sistema “rodoviarista” como solução responsável. Portanto, as alternativas que o governador solicita existem e podem ser facilmente acessadas por aqueles que as promovem. Essa constatação nos sugere propor uma questão como resposta: qual o melhor caminho para fazer articular o pensamento crítico, financiado pelas instituições públicas, com as ações efetivas do Estado?"

Essa última pergunta do Fernando é pertinente e atual. De que maneira unir críticas construtivas ao sistema (críticas que oferecem novos caminhos e paradigmas) a ações efetivas para a melhoria da realidade? Não faltam bons projetos e soluções: de que maneira então colocá-los em prática ou, de que maneira convencer o Estado a investir em modelos mais inteligentes que os vigentes?

Quando eu me deparo com a diferença exorbitante entre o que a Academia está pesquisando e o que o Estado está colocando em prática, eu não posso deixar de duvidar secretamente da utilidade da realização dessa tese de doutorado que eu estou fazendo - e que inclusive está sendo financiada pelo próprio Ministério Brasileiro da Educação...

Mas, como a Odette disse, as coisas são um processo. Se elas são um processo, então como parte do processo, está valendo o esforço - nem que esse processo seja o do meu próprio amadurecimento pessoal e eu não esteja viva para ver a mudança do paradigma.

'A várzea pertence ao rio'


Cedo espaço aqui no blog para uma entrevista com a geógrafa Odette Seabra.


- - -

Reportagem de Ivan Marsiglia para o jornal O Estado de S. Paulo.
Em momentos críticos, como temporais, Tietê
e Pinheiros irão sempre buscar o que lhes foi tirado."

Pé d’água, mesmo, não foi. Mas uma chuva compacta e homogênea, a mais volumosa em dois anos, caindo sobre quase toda a cidade durante 24 horas. E a terça-feira da maior metrópole brasileira amanheceu parada e submersa. Foram registrados 105 pontos de alagamento, entre eles as marginais dos Rios Pinheiros e Tietê. E seis pessoas morreram em deslizamentos de terra – no caso mais grave, em Santana de Parnaíba, quatro irmãos de uma mesma família, três deles, crianças.

A tragédia deixou “constrangida e indignada, mas não surpresa” a geógrafa paulistana Odette Carvalho de Lima Seabra. Autora de Os Meandros dos Rios nos Meandros do Poder: O Processo de Valorização dos Rios e das Várzeas do Tietê e do Pinheiros, apresentado como tese de doutorado na USP em 1987, a professora considera corretas as medidas tomadas nos últimos anos para mitigar as enchentes. Mas o sistema já está próximo de seu limite.

Colega do célebre geógrafo baiano Milton Santos, morto em 2001, Odette diz que as políticas públicas destinadas às várzeas dos Rios Pinheiros e Tietê tiveram um protagonista privado: a São Paulo Tramway, Light and Power Company – empresa de capital canadense que energizou o processo de urbanização brasileiro nas décadas de 30, 40 e 50. Afirma que as várzeas onde o governo do Estado assenta obras de ampliação das marginais são parte integrante dos rios – que as requisitam de volta, nas enchentes. E aponta que a solução definitiva passa por mudanças profundas no modo de vida na cidade.

Marginal Tietê alagada - Dezembro de 2009

As cenas de inundação na terça-feira surpreenderam a senhora?
Fiquei, como todo o mundo, constrangida e indignada. É insuportável saber que somos obrigados a viver essas tragédias ano após ano. Mas não posso dizer que as imagens me surpreenderam. As medidas que vêm sendo tomadas desde 1999 são corretas. Mas ocorre que a capacidade do Tietê está no limite. A interligação de bacias necessária ao abastecimento de São Paulo faz com que, por exemplo, 33 metros cúbicos por segundo da bacia hidrográfica do Rio Piracicaba caiam aqui.

O solo impermeável da cidade é uma das causas das enchentes?
Também. As chuvas, a cada ano, são mais torrenciais. Há dados mostrando isso. Temos um volume aumentado de água na rede, impermeabilização crescente do solo e ocupação desordenada do rebordo externo da bacia. Eu me refiro à zona leste de São Paulo, à vertente sul da Cantareira, essa porção de colinas, onde têm ocorrido desastres. O solo, lá, é de rigolito, fixo apenas pela vegetação. Com o desmatamento, ainda que seja uma simples abertura entre as casas, tudo fica sujeito a deslizamentos. Além disso, por gravidade, os detritos chegam à calha do rio. Por isso o Tietê tem um trabalho de desassoreamento que não pode parar.

É difícil imaginar Paris sem o Sena, Londres sem o Tâmisa, Viena sem o Danúbio. Que falta faz um rio a uma grande cidade?
O rio é uma referência de lugar e de espaço, integra a identidade de um povo. Quando ele está perdido, como no nosso caso, é uma ausência importante. Vi um documentário que mostrava como os brasileiros voltaram as costas para os rios. Há quem cruze o Tietê quatro vezes ao dia sem se dar conta.

Seu doutorado mostra como as estratégias de ocupação das margens do Tietê e do Pinheiros foram definidas a partir dos interesses da Light. Como isso se deu?
Esse é o rescaldo negativo do imperialismo das grandes empresas nos países subdesenvolvidos. A Light, da qual hoje pouco se fala, provocou uma grande mobilização no Brasil das décadas de 30, 40 e 50. A companhia era uma espécie de polvo, atuando em diferentes esferas. Foi tão importante na história de São Paulo que passou a integrar o imaginário. Aparecia na música, na poesia, na retórica popular. Havia até uma expressão: “E eu com a Light?”

Como ela atuava?
No final do século 19, a Light tinha o monopólio da geração e difusão de hidreletricidade no mundo. E entrou no Brasil da mesma forma que na Guatemala, no México e mesmo em Barcelona, na Espanha. Um grupo econômico se mobilizava para levantar fundos, sob a bandeira da rainha da Inglaterra, e obtinha exclusividade no mercado. Em São Paulo, primeiro atuou no transporte urbano. Em 1899, ganhou uma concessão interessante, para a construção de bondes elétricos, embora não houvesse eletricidade na cidade! Em 1901, já tinha construído uma hidrelétrica, em Santana de Parnaíba: mandava energia para movimentar os bondes, iluminar vitrines, ruas, etc. A Light tinha uma racionalidade que a administração pública e a sociedade local não acompanhavam. E um ideário muito forte de progresso. Sempre digo aos meus alunos: isso foi importante, a energia elétrica é uma revolução, muda a vida cotidiana e a noção de tempo na cidade. Só que aqui a Light montou um Estado dentro do Estado.

E inverteu o curso do Rio Pinheiros.
Isso foi em novembro de 1928. A inversão era para canalizar a água para uma represa que já funcionava no sopé da serra, em Cubatão. Pelos decretos, para compensar seus investimentos, a Light ganhava o direito de desapropriar imóveis de toda a várzea do Rio Pinheiros, “para fins de utilidade pública”. O que sempre foi prerrogativa do governo central. Essa área seria delimitada por uma tal “linha da máxima enchente”, que encontrei em mapas confeccionados no Canadá, ainda feitos de pano. Tomaram como referência a famosa enchente de 1929, a maior que houve em São Paulo. E tudo passou a ser da Light, de onde a água chegou até o leito do rio. Entendi nisso a demarcação de um território. E nós, que estudamos geografia, sabemos o que o território é: uma jurisdição de poder. Daí para a frente, um fiscal de terras passou a proibir as pessoas de usarem a várzea, fosse para jogar bola ou levar cabras para beber água.

E como a companhia conseguiu o direito de revender essas terras de ‘utilidade pública’ depois?
Eles fizeram acordos com os expropriados, sempre estipulando critérios e preços. Houve movimentos de resistência de moradores, que foram ao presidente Getúlio Vargas, até que ele se manifestasse contra. Mas a essa altura tudo estava sob litígio e começou o movimento dos advogados, ganhando cobres às custas dos expropriados.

A proximidade das pistas do leito dos rios nas marginais é muito criticada por urbanistas. Por que elas foram parar lá?
Nos anos 60, com o Plano de Metas, foi preciso abrir espaço para circularem os automóveis. Tem início outro padrão e modo de vida. O Estado planejou as marginais e pressionou a Light: “Agora, vamos intervir, porque é preciso modernizar a estrutura de transporte do País”. Veja que, até então, em São Paulo andava-se de carroça, bonde ou barco – cerca de 500 deles transitavam no Tietê. Com a entrada da indústria automobilística, o transporte por rio desaparece e o ferroviário entra em declínio. Os bondes saíram de circulação não porque as pessoas não mais os quisessem, mas porque outra opção de transporte foi imposta goela abaixo.

É por isso que senhora diz que ‘os enigmas do funcionamento da Bacia do Alto Tietê traduzem o modus operandi da modernização geral da sociedade’?
Se a gente tem noção da história, fica ingênuo discutir quem fez as marginais e foi responsável por esses equívocos. Mas, com o partido rodoviário sendo adotado como modalidade de transporte nacional, a sequência só poderia ter sido essa. No caso da Light, é preciso levar em conta também que éramos uma República nova, sem conhecimento de estruturas jurídicas, com uma sociedade pouco aparelhada para negociar com o trust. Não que, por princípio, as pessoas fossem boas ou más. É um processo.

Os moradores mais antigos da cidade têm a memória de um Tietê onde se nadava, praticava remo. Como se transformou em uma ‘cloaca a céu aberto’, como a senhora diz?
Em minha tese, entrevistei um ex-barqueiro, de 96 anos, que passou a vida recolhendo areia do fundo do Tietê para vender. Ele me contou que, em 1935, já não podia mais beber a água do rio, e a levava de casa. Perguntei por quê. “Desde que a Nitroquímica se estabeleceu em São Miguel os peixes começaram a morrer e a gente não podia mais beber a água.” Ainda na década de 20, quando a Light obteve o monopólio do Rio Pinheiros, as autoridades decidiram deslocar os barqueiros para o Tietê. Houve processos na Justiça e, num deles, um barqueiro questiona: “Já não dá para tirar areia entre a Ponte Pequena e a foz do Rio Pinheiros, porque o fundo do rio é lodo e esgoto”. A contaminação é um processo que vem com a urbanização. Seus efeitos deveriam ter sido domesticados ao longo do tempo, mas ela foi avassaladora e não pudemos raciocinar sobre os problemas que a industrialização trazia.

Dezenas de projetos de ampliação do leito e embelezamento das margens foram realizados em São Paulo, sem que os rios fossem de fato recuperados – como ocorreu com o Tâmisa, em Londres. Por quê?
Primeiro, a gente continua poluindo o Tietê. A poluição industrial foi controlada, mas a doméstica, não. Há um problema de infraestrutura difícil de enfrentar. É muito caro fazer interligação de esgotos. Às vezes, os espíritos românticos maquiam as margens, produzem discursos... Mas a solução ainda está distante.

Não será porque obras sanitárias têm pouca visibilidade política?
Também. E porque a necessidade cresce em ritmo geométrico. Um grande problema hoje, por exemplo, é a capacidade de escoamento. Já temos 43 piscinões que, juntos, comportam o volume de um Tietê. Mas eles não bastam. É igualmente simplório atribuir o problema à sujeira dos bueiros. Lidamos com o fardo pesado dessa longa história de urbanização.

A recente ampliação das pistas nas marginais é uma boa ideia? O especialista em drenagem urbana da Poli-USP Mario Thadeu Leme de Barros disse que será preciso ‘renaturalizar as bacias’ e, em 20 ou 30 anos, acabar com as marginais.
Não fiz coro às críticas sobre a ampliação das marginais porque enfrento engarrafamentos todo dia e sei que alguma coisa tinha que ser feita. No plano de macrodrenagem existe uma proposta séria de recuperação das várzeas, mas que exige investimentos extraordinários. No Canadá isso foi feito: restituíram a várzea ao rio, pois ela é parte dele, pertence a ele. Por isso, nas enchentes, o rio a requisita de volta. Lá construíram jardins que, quando têm de encher de água, enchem. A solução definitiva é pensar em um novo desenho urbano.

A senhora acredita que algum dia possa haver um pacto político, social, ambiental e econômico para recuperar de fato esses rios?
Se um dia alguém levantar essa bandeira e conseguir o mínimo que seja, estará fazendo muito. Devolvendo as várzeas ao rio teríamos uma outra cidade – e isso só acontece com uma mudança no modo de vida. Para começar, exigiria menos automóveis, que regem hoje as formas de ocupação de espaço e regulação do tempo na cidade.

Ambientalistas dizem que ‘o carro é o novo cigarro’, um símbolo anacrônico de status, a ser banido.
Seria bom mesmo. Mas como agir numa sociedade desse tamanho, com milhões de pessoas circulando para cima e para baixo? Uma pesquisa que fizemos em Parelheiros, no extremo sul da cidade, mostrou que existe gente nascida lá, que já é adulta e nunca saiu da região. Não conhece nem o centro. Chamo isso de confinamento dos pobres. Com tantas carências, como arcar com o custo social de liberar as várzeas?